O cano gelado pressionando fortemente minha têmpora esquerda. Como se quisesse entrar na minha cabeça sem precisar apertar o gatilho. Nessa hora há pouco espaço para pensar e sentir qualquer coisa que não seja medo.
Eu derreti. As pernas bambearam e senti o suor brotar instantaneamente de minhas extremidades. Quanto mais ele colava seu corpo ao meu, mais eu suava.
Enquanto isso, eu aguardava que Milena conseguisse descer do carro para que eles pudessem partir. Finalmente minha amiga saiu, permanecendo estática diante de nós. Eu não conseguia enxergar a expressão do seu rosto, eu não via mais nada. Apenas respirava e aguardava que ele me soltasse e me deixasse desabar no chão.
Mas houve uma mudança de planos. Disseram algo, mas eu não ouvi. Fui arrastada para dentro do carro, que partiu numa arrancada, pude ver apenas a imagem de Milena se afastando, imóvel. Até que não vi mais nada além de escuridão.
Ele sussurava no meu ouvido. Dizia barbaridades, me ofendia. Mas eu não ouvia. Aquela história de que minutos antes da morte você um filminho da sua vida? Balela. Nada lhe vem à cabeça, por alguns instantes cheguei a imaginar se havia um modo de escapar. Tomar-lhe a arma da mão e atirar nos dois. Como se adivinhasse meus pensamentos ele imobilizou os meus braços.
- É só você fazer o que a gente pedir e vai ficar tudo bem. – tentou me acalmar.
- O que vocês querem de mim? Não me machuquem, por favor. – balbuciei.
A primeira possibilidade que tomou meus pensamentos foi a de estupro. Amaldiçoei a saia que escolhi tão caprichosamente aquela noite. “Bem que me disseram que com jeans estupro era quase impossível. A Milena está de jeans, eu deveria ter colocado aquela calça bordada.”.
-Não dê idéias. – disse o outro entre gargalhadas, como se tivesse lido meus pensamentos.
Ambos cheiravam a álcool e tinham um aspecto sujo, mal tratado. Exatamente o clichê que se espera de um bandido que vai te assaltar.
- Queremos seu dinheiro paty. Vamos parar num banco qualquer pra tirar toda sua grana.
Um arrepio frio percorreu meu corpo da cabeça aos pés. Eu estava sem cartão, não havia nada em minha micro-bolsa além de batom e meus documentos. Naquela hora eu soube que iria morrer.
- Olha, eu estou sem carteira. A gente estava indo a uma festa, sabe? Open bar. Não precisava de dinheiro- respondi tentando controlar o tremor da voz.
- Ela tá mentindo essa vaca, nós vamos acabar com tua raça!- ameaçou o outro.
- Passa tudo ou a gente vai te matar. - ele disse apertando meu braço com uma força hercúlea.
- Não tenho, não tenho mesmo. – sussurrei, mas eles não me ouviram.
A sensação de gelado do cano do revólver havia desaparecido. Como se eu já estivesse acostumada com aquela força na minha cabeça, como se meu corpo se preparasse para o pior. Súbito, percebi que não sentia mais nada. Nem as pernas, nem os braços. Uma queimação estranha um pouco acima da minha orelha esquerda. Um líquido quente escorrendo. Sangue.
“Atiraram?Mas nem ouvi o barulho!”.
Senti que arregalava os olhos e tentava perguntar porquê eles haviam feito aquilo. Eu estava morrendo. Eu podia sentir que rapidamente minha vida se esvaziava junto com o sangue que escorria. Não pensei no meu namorado, não pensei nos meus pais, não vi Deus e sequer lembrei dele. Não pensei em nada além da estupidez da minha morte. Senti apenas a dor e o esvaziamento do meu corpo. Reuni o fio de força que me restava e encarei meu assassino. Olhei-o nos olhos, disse: filho-da-puta e morri.