O velho e os passarinhos
Seu Inércio levantou mais cedo que de costume, antes das cinco e meia já estava de pé conversando com seus canarinhos. Não dormiu bem, remoendo a briga com a vizinha no dia anterior. Refletiu que ele deveria ter sido mais ponderado, afinal tinha 72 anos, mas o tempo lhe parecia arrancar a paciência. Além disso, dona Maria, a vizinha, era chata de doer.
O céu começou a clarear, tingindo-se de tons róseos e seus passarinhos deram início à sinfonia matinal. Para seu Inércio, aquele era o melhor momento do dia. Seus canários, tico-ticos e coleirinhas eram os únicos que lhe entendiam. Desde sua aposentadoria, passou a se dedicar à criação das aves. Vez ou outra vendia um exemplar a um amigo, mas seu maior prazer era mesmo tê-los em casa e ouvi-los cantar. Com a prática, passou a entender do assunto, virou referência na vizinhança.
Estava perdido em seus pensamentos, alimentando os canarinhos, quando ouviu a campainha tocar. Não conseguiu imaginar quem poderia ser tão cedo. Arrastou as chinelas até a porta e surpreendeu-se ao dar de cara com três policiais armados, dizendo estar ali para investigar uma denúncia anônima. Perguntaram pelos passarinhos e foram guiados por um seu Inércio pálido e trêmulo.
Já nos fundos da casa, a presença dos policias causou alvoroço nas dezenas de pássaros. Gritaram todos juntos, em protesto. Após rápida análise, os homens fardados se identificaram como agentes da Polícia Ambiental e informaram que teriam de levar os animais embora, já que não havia autorização do Ibama para que eles fossem criados ali. “Meus passarinhos! Não posso viver sem eles. É tudo culpa da dona Maria”, pensou o aposentado. Precisaram ampará-lo, pois ele quase desfaleceu ali mesmo. Enquanto os homens iam colocando seus canários, tico-ticos e coleirinhas em gaiolas especiais, seu Inércio reclamou de dor no peito. Alegou não estar se sentindo bem. Chamaram a ambulância.
Quando os paramédicos chegaram, o barulho dos passarinhos era infernal, uma algazarra difícil de suportar. Os policias ameaçaram sair do quintal com as gaiolas e foi então que seu Inércio caiu duro no chão. Mediram-lhe o pulso, mas já era tarde, seu Inércio tinha acabado de morrer de tristeza. Os canários, tico-ticos e coleirinhas imediatamente se calaram e deles nunca mais ninguém ouviu um pio.